domingo, 6 de maio de 2007

Vivendo a Lisboa do Pessoa: morgar no Chiado

De volta ao lugar da estátua do Pessoa, que não vem ao blog desde dezembro, na frente da centenária Brasileira do Chiado - lugar que ele realmente frequentava.

Até comecei a ler o Livro do Desassossego, que é meio que o próprio diário dele e seus heterônimos em Lisboa, mas durante o semestre é impossível ler um livro daquele tamanho. De fato, parei antes da vigésima página, mas um dia eu volto nele!

Já não gostei dele, agora acho-o mais um perdido, como tantos, que se encontram na Baixa até os dias de hoje. E a Baixa e o Bairro Alto não são mais do que a mesma coisa (uma mera questão de altitude, hehe), e muitos erasmus não mais do que Álvaros de Campos... qualquer coisa a caminho de outra qualquer... distantes do que ou de onde deveriam ser, mas certos de que tudo isso é transiente, como todo o resto.

Pra quem não viu, essa não é a estátua propriamente dita. Mas uma sucata dentro da Brasileira que eu achei legal.
Naquela época se bebia álcool mesmo de dia, mas a cultura lisboeta agora é o bom e velho cafezinho, por aqui conhecido como BICA - Beba Isto Com Açúcar. Pior que tomar expresso torna-se um vício ao qual não se escapa por aqui.
Estação Baixa/Chiado do Metro.
Escadaria da estação, a sombra de 4 perdidos às 7 da tarde (sim, 7 da tarde!).
Estátua do Largo... um poeta, não lembro qual.
Aqui é a concentração mais absurda de turistas de LX. Cada artista vem, apresenta seu número, pede moedas a quem está perto, e sai para entrar o próximo (em geral, sentado esperando próximo de onde estávamos). Números de qualquer parte, com qualquer improvísio, aquela sensação do mundo todo numa pequena parte de uma grande cidade desse mundo... Bairro Alto é uma miniatura do Candem Town londrino.
O artista dos malabares de fogo deixando a matilha que o acompanha alimentada.

" Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!

Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
"
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Álvaro de Campos

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara que da hora pode passar por lugares que o Fernando Pessoa passou, encontrar motivos pelos quais ele se inspirou.

Abraço