quinta-feira, 28 de junho de 2007

o banzo definitivo

" Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes -
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos; minha alma!
Grandes são os desertos.

[*]


Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incómodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida. [Esta linha discordo - é falta de Nietzsche!]

[*]


Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem).
Acendo um cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens,
Para adiar o universo inteiro.

[*]


Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ter que ser assim.

[*]


Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro.
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.

[*]


Mas tenho que arrumar a mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

[*]


Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei-de arrumá-la e fechá-la;
Hei-de vê-la levar de aqui,
Hei-de existir independentemente dela.

[*]


Grandes são os desertos e tudo é deserto.
Salvo erro, naturalmente.

[*]


Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!

[*]


Mais vale arrumar a mala.
Fim. "
(Álvaro de Campos)

"Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo".
Arquimedes de Siracusa

Ainda falta muita coisa pra pensar e escrever sobre isso tudo, mas estamos cá já para o último, mais forte e definitivo banzo. Sincero porque a vontade da busca do novo vai se apagando conforme deixa de ser novo, definitivo porque posso agora dizer que sempre que estiver em um dos dois lados do Atlântico vou sentir a falta do outro lado, e isso vai ser pra sempre (meu plano pra velhice é alugar um apê no Chiado pra passar 2 meses - por que? boa pergunta, mas o plano existe mesmo!). Acho que ninguém sabe ao certo qual era o objeto da busca afinal, mas ela é uma constante sobre a qual tive longas conversas daquelas pra não esquecer, nos lugares mais doidos, nas horas mais estranhas, com pessoas que fiquei feliz de ter conhecido nesses 9 meses. Tudo acerca dessa "náusea" - uma busca de algo que faça nossos dias valerem por si mesmos sem nenhuma justificação transcedente, partindo desse conjunto de maluquices que a gente veio fazer, uma grande mistura de "Albergue Espanhol" com "Eurotrip".

É como começar tudo de novo bem longe, cometer os mesmos erros pra entender o que era seu e o que não era, e voltar pra talvez aí sentir o que realmente mudou - o "pequeno delta" que se mantém mesmo depois de voltar e se estabilizar, como me disse um amigo outro dia. E, ainda sim, sentir em tudo aquilo que ficou de alguma forma plantado do outro lado um "ponto-fixo", tal qual Arquimedes dizia, "alavancando" tudo com essa chance - fosse esse ponto algo real ou não, uma espécie de "porto seguro" racional imaginário. Apenas de três coisas eu já posso adiantar certeza: volto PACIENTE, afinal aqui tudo sempre requer mais passos pra ser feito, TOLERANTE, afinal aqui a cerveja é muito mais forte, e AUDITIVO, afinal fui o único brasileiro a entender completamente meu colega de quarto com sotaque nortista!

Oxalá nada mude, o próximo post vai ser um "vira-vira-virou" com refrões portugueses em Santo André...

" eu já estive a fim; eu já não 'tô a fim
a gente vive assim: um dia aqui o outro ali
aqui onde ninguém nos vê; ali no rádio na tv
a gente vive assim: sabendo de tudo sem saber por que
eu só 'tô começando e já cheguei ao fim
a gente vive assim: sempre acabando o que não tem fim
acabando o que não tem fim
acabando o que não tem fim
querendo o que não tem
fim " (brincando de trilogia Hawaiiana...)

4 comentários:

fernandofei disse...

Cara... apareci em 4 fotos huahuahua... (tres com meu rosto e uma com minha mae jogando poker) hahaha...

cara... muito boa a postagem de hoje... parabens ae

Hugo Tavares disse...

"AUDITIVO, afinal fui o único brasileiro a entender completamente meu colega de quarto com sotaque nortista!"

Aqui o "homeinhe do nuorte", que não é bem nortenho (pois não tem que o ser!), diz: "ah e tal... acho que te querias referir à paciência..."! LOL!

Grande abraço!

Anônimo disse...

Ok, chorei de novo :D

Eu choro. Choro porque teve importância, porque foi mesmo como deveria ter sido: COMPLETAMENTE IMPREVISÍVEL!
E essa falta de controlO nos deixa meio atordoados.

Vencemos! Conseguimos chegar até ao fim, mesmo completamente malucos com o que viria e escolhendo os caminhos com as faces da moeda.

Obrigada por ter caminhado comigo (e como caminhamos, hein? hehe). Tenho muito orgulho de ser amiga do ser sensível (apesar de duro e bruto), do ser querido (apesar de chato e 'Joselito'), do meu bichinho azul! :D

E daqui por diante, depois dessa semi-Erasmus experience, percebe-se que temos apenas de lutar pela nossa alma..
Mantê-la intacta ou modificá-la por inteiro..
O resto vem com o resto.

Vou morrer de saudades.. até dezembro! hahaha ;)

Amo-té!

Daniel Vidal disse...

Voltei de viagem hoje! =D

Po muito manero o post! Vou achar falta do parcero sempre pronto pra tomar uma cerveja vagabunda e quente.